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Monday, January 15, 2007

 
CONTRIBUTO PARA O RECONHECIMENTO DE SAGRES
COMO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE
(DINAMIZAÇÃO DA CANDIDATURA À UNESCO/icom)
FORTALEZA DE SAGRES
ENTRE OS 60 GRANDES MONUMENTOS DE PORTUGAL
O Diário de Notícias (de Lisboa) publicou uma louvável iniciativa de divulgação do Património Monumental: uma página diária dedicada aos Grandes Monumentos Portugueses, acompanhada de uma moeda (com banho de prata) alusiva ao monumento histórico do dia (durante 60 dias). O conjunto faz uma curiosa colecção com as fachadas ou alçados das edificações seleccionadas cunhadas nas moedas e com breves descrições dos mesmos por historiadores ou técnicos do Património, nas referidas páginas. Devemos elogiar estas iniciativas do sector privado em dar a conhecer os tesouros monumentais da História de Portugal tão esquecida e ignorada ela anda entre as múltiplas solicitações, obrigações e preocupações do quotidiano dos portugueses em 2007.
Hoje, segunda-feira 15 de Janeiro foi calhou a vez da Fortaleza de Sagres - a 55ª moeda desta série. O texto de apoio, assinado por Jorge Alves, técnico do Ippar, lembra que esta fortaleza data de meados do século XV e que está "implantada na mais importante finisterra portuguesa"- conhecida por Ponta de Sagres, a cerca de 7 km a Leste do Cabo São Vicente, onde funciona um dos mais potentes faróis europeus.
IMPORTANTE ROTA MARÍTIMA
Este ponto Sudoeste de Portugal e da Europa Continental é banhado pelo Atlântico Norte e por um dos corredores marítimos mais frequentados pelos navios que seguem do Norte da Europa para o Mediterrâneo e Canal de Suez, ou vice-versa.
Até há cerca de 25 anos viam-se, com frequência, grandes navios de passageiros, petroleiros e cargeiros a dobrar o Cabo de S. Vicente, pois navegavam próximo da costa. Constituiam uma atracção dirigida a dois alvos: os passageiros e tripulantes embarcados (com um curioso sentimento de nostalgia para os tripulantes, muitos portugueses, à vista de terra) e os residentes e turistas de visita ao Ponto Sudoeste da Europa.
Hoje, a Convenção Internacional de Navegação Marítima obriga os comandantes a passar num corredor a mais de 5 milhas da costa, fora do alcance visual humano, neste caso agravado com a condensação da água e do reflexo solar, desmitificando o conceito romântico das paisagens e fotos de navios a dobrar as principais pontas dos continentes: Cabo Finisterra, Cabo São Vicente, Cabo Girão, Cabo Bojador, Cabo Branco, Cabo da Boa Esperança, Cabo Guardapui, Cabo Horn, Cabo São Roque, Cabo Norte, Cabo Farvel, etc. Mas não é nem o romantismo nem a nostalgia das grandes viagens que estão em causa. Esta norma internacional destina-se a evitar eventuais colisões e acidentes marítimos que possam poluir a costa, prejudicar as redes dos pescadores, ou em situação de temporal ou avaria constituir perigo de encalhe para os navios e de insegurança para as pessoas embarcadas. O litoral europeu está assinalado por elevado número de embarcações naufragadas nas enseadas, rochas e praias, desde veleiros a navios de grande porte e poderosas máquinas propulsoras. Ainda recentemente um moderno navio porta-contentores de bandeira italiana encalhou na costa inglesa, perdendo parte da sua carga - estivada no convès, em altura, contra tudo o que a estabilidade naval e a força da Natureza aconselha.
COSTA VICENTINA - SUDOESTE DA EUROPA
De qualquer modo, foi a explêndida localização estratégica, aliada a uma vasta extensão de terreno sobre as rochas - uma espécie de atalaia num planalto sobre o Atlântico, que terá levado o Infante D. Henrique a fundar ali a Vila do Infante. Dali controlava a navegação de e para o Mediterrâneo e Atlântico Sul (ainda por descobrir) - pois os veleiros da época, com velas quadrangulares, navegavam com ventos de popa ou do través, chegando-se quanto podiam à costa para aproveitar os numerosos bordos que tinham de fazer, na impossibilidade de seguirem um rumo recto entre a partida e o destino.
E o Infante D. Henrique aproveitou ainda o imponente Promontório Sacro para se defender dos inimigos e corsários (entre os quais: mouros, castelhanos, ingleses da armada real e corsários com alvará da Rainha Elizabeth I). Com efeito, a magnífica Costa Vicentina (nome corrente adoptado no século XX) era, nessa época, alvo da cobiça dos corsários - mais como base realizar para emboscadas a navios espanhóis e franceses em passagem, do que para saquear os pequenos e insignificantes aglomerados populacionais. Os corsários ingleses até tinham ordem da Rainha para não molestar a população.
Mas a Costa Vicentina teve que esperar pelo século XVI (durante a dinastia filipina) para se poder abrigar, sob a protecção de um conjunto de fortes. As populações eram constituídas por pescadores-agricultores e operários da construção naval e das olarias. Hoje dedicam-se mais à restauração, turismo, comércio e serviços. Ainda há cerca de uma centena de pescadores e uma pequena frota de pesca artesanal, que tem vindo a diminuir no número de jovens e de unidades activas. Na lota de Sagres vêm vender pescado do alto, nos meses do Verão, embarcações de Viana do Castelo, Póvoa do Varzim, Peniche e Sesimbra. É uma lota para espécies de primeira qualidade.
Na época de D. Henrique e hoje são populações pobres e escassas. Em 1621, a fortaleza era defendida por 20 soldados, sete artilheiros e três oficiais - o capitão, o quartel-mestre e o capelão.
CARAVELAS DO ALGARVE
Há autores - como os historiadores Jaime Cortesão, Alberto Iria e o almirante Rogério de Oliveira - que apresentam outra interessante tese sobre a escolha de Sagres para centro de estudos navais: o Infante D. Henrique terá estudado atentamente os modelos das embarcações construídas nos estaleiros ao longo da nossa costa, tendo seleccionado as caravelas do Algarve como as mais adequadas às viagens que planeara.
As caravelas ou pescaresas - embarcações de pesca do alto - terão surgido no Algarve na segunda metade do século XII. Foram as hostes de D. Afonso III (1210-1279) que, quando da reconquista definitiva do Algarve aos mouros (1249-1250), notaram a diferença das caravelas do Algarve das restantes embarcações usadas no Centro e Norte de Portugal. Foram eles que as adoptaram e usaram para ali desembarcar e derrotar os mouros. Eram mais leves, mais rápidas e veleiras - as velas latinas, de origem mourisca, permitiam bolinar melhor (navegar contra o vento) - ideais, portanto, com as alterações introduzidas no casco e no velame pelos conselheiros do Infante D. Henrique, para as descobertas das novas rotas mundiais.
Porém, só no século XV se conseguiu a melhor afinação e aperfeiçoamento da arte da bolina e, assim, retirar melhor rendimento das embarcações que passaram à História como caravelas lusas.
Nos portos do Norte e Centro de Portugal usavam-se pesados barinéis para a pesca, para o abastecimento das populações e para o comércio.
Outra curiosidade: os fidalgos de D. Afonso III foram também encontrar no Algarve um importante número de núcleos piscatórios - que deram origem aos primeiros portos portugueses no litoral Sul, depois de conquistados aos ocupantes árabes: Tarf-ar-Rihâna ou Ponta da Arrifana; Xacraxe ou Sagres; Halc Az-Zavia ou Lagos; Albur ou Alvor; Xalab, Silb ou Silves; Alvafere ou Albufeira; Ukusunuba, Exubana ou Ossónoba, Faro;Tabira ou Tavira; Kastallat Darrag ou Cacela; Marsa Hasin ou Castro Marim; e Alcuntxim ou Alcoutim - estes fluviais.
COROGRAFIA DO REINO DO ALGARVE
Para atestar a insegurança que se vivia no Algarve, recorro a outra fonte. Data de 1577 a "Corografia do Reino do Algarve", por Frei João de São José, onde em passagens das páginas 60 a 72 se lê: «Mora na vila de Loulé muita gente nobre e abastada ... que para qualquer rebate de mouros que nesta costa continuam, muitas vezes se prezam não serem os derradeiros e em Tavira, fidalgos de todos os graus "... vivem sempre com o olho sobre o ombro e recatados dos imigos, que muitas vezes fazem saídas nesta costa, a qual eles no Verão vigiam dia e noite, com o pé na estribeira e lança em punho ... que se prezam poucos de riscos e muito de bons cavaleiros". O estilo da Corografia - embora para alguns autores seja uma "filha menor" - implica a descrição de um lugar e exige pintura da orbe terrestre, dispensando o rigor da matemática. Ptolomeu creceitua o fim do corógrafo que representa bem uma parte, como quem quisesse somente arremdar um olho ou uma orelha, enquanto o geógrafo olha ao todo, como quem pinta a cabeça. Nenhum homem será corógrafo se não for pintor. Frei João de S. José foi neste ponto o modelo raro do bom corógrafo, prestando um notável serviço ao Algarve, à sua Ordem e ao seu Bispo.
Nota adicional do prof. Manuel Viegas Guerreiro: "E Frei João não falava de cor, pois foi ele próprio assaltado e posto a tormento em uma viagem que por mar fez de Lisboa para o Algarve. Ora oiçamo-lo: "... defronte de Odemira fomos salteados de Ingreses luteranos os três religiosos que, no ano de 1569, para este reino do Algarve por mar íamos, pelos quais, depois de metidos a tormento, despidos e roubados, os mais da companhia, a nós determinaram pendurar em uma entena dum galião bem artilhado, em que vinham, por nos terem mui contrários à sua seita e ladroíces. Mas, como não fôssemos dignos de tão boa sorte, um portuguez, que com eles andava de mistura, mostrando-se mais propício à nação, os tornou, de maneira que nos deixaram, não sem outro grande perigo do mar, porque nos ficou a caravela despejada e boiante, com tempo levante (vento de Leste), que nos era contrário; com este trabalho dobrámos o cabo de São Vicente, onde, deitando o batel ao mar, nos baldeámos (desembarcamos) ao pé dele nun arrecife, pelo qual subindo em pés e mãos nos achámos em cima, os mais de nós escalavrados, por causa do seu áspero rochedo e penedia. Logo ordenámos uma devota procissão, cousa piedosa de ver, e encaminhámos para o mosteiro, todos postos em ordem, a fazer graças ao nosso livramento, a qual uns éramos descalços e outros despidos, em camisa, e nenhum como dantes vinha. Fomos recebidos dos religiosos com a caridade e que todos mostram e a vista da nossa miséria pedia. E confesso que, em parte, folguei com a ocasião e me fez esquecer o trabalho passado ver este lugar, cousa que muito desejava, e tomar experiência do que dele escrevo, ainda que foi à custa da própria pessoa".
Portanto, viajar para e pelo Algarve um século depois da morte do Infante continuava a ser perigoso. E viajar por terra também era penoso pela não existência de estradas nem de sinais.
ORGANIZAÇÃO E PLANEAMENTO DE VIAGENS
Outro texto de 1567 confirma que o Infante D. Henrique foi o grande inovador na organização e planeamento das rotas e viagens oceânicas. Acrescentando que era muito dotado no estudo de letras, astrologia e cosmografia, qualidades que o levaram a apoiar a Universidade de Lisboa, a fundar a Escola de Sagres e a recolher os benefícios das primeiras expedições históricas pela costa Ocidental de África. Mas talvez a designação de Centro de Estudos Navais fosse mais adequada. Ele terá reunido sábios estrangeiros, na costa entre Lagos e Sagres, para transmitirem conhecimentos aos mestres portugueses da época, não propriamente a estudantes ...!
HISTÓRIA DA VILA DO INFANTE
Lenda ou história foi entre Sagres, Vila do Bispo e Lagos que o Infante D. Henrique se instalou, concentrando uma pleíade dos mais notáveis cosmógrafos, geógrafos, cartógrafos, corógrafos, matemáticos, viajantes, construtores navais e mestres de navegação da época, para estudarem e planearem e orientarem, em conjunto, o primeiro ciclo da notável epopeia das Descobertas portuguesas - estabelecendo novas rotas marítimas, novos mapas, novas embarcações, novas armações vélicas que facilitaram a navegação à bolina, novos armamentos de defesa, novos métodos de apetrechamento de frotas e de equipagens, e novas terras a administrar à distância pela Corte portuguesa.
Há um crescente número de historiadores modernos que contestam a existência da Escola de Sagres, desmentindo mesmo que tivesse sido criada em Sagres pelo grão-mestre da Ordem de Cristo, Duque de Viseu e Senhor da Covilhã, SAR Infante D. Henrique. Mas existe um texto seu, datado de 1460 (pouco antes da sua morte), onde cria a Vila do Infante em Sagres.
Neste texto, D. Henrique invoca a necessidade de atrair população experiente nas artes e comércio marítimo, para apoiar, abastecer e reparar embarcações, que lançam ferro na enseada do Nabal ( existem em Sagres os seguintes cinco lugares, praias e enseadas: o lugar da Pedra da Bala na praia do Martinhal; a praia do peixe na Baleeira entre o Martinhal e a Ponta da Atalaia; mais a Oeste o sítio e praia da Mareta entre as Pontas da Atalaia e de Sagres; o sitio e a praia do Tonel e o forte e a praia de Belixe, a caminho do Cabo de São Vicente. Todas com abrigos seguros dos ventos predominantes do Norte e Levante, respectivamente.
Do texto atrás referido, chega-se à conclusão que D. Henrique escolheu para a construção da Via do Infante a enseada da Mareta para porto de abrigo e a Ponta da Atalaia o local (antigo Nabal) e onde mais tarde foi construído o Forte da Baleeira (hoje em ruínas, para se defender dos corsários chegados de Leste). A escolha foi baseada no uso frequente da Mareta para abrigo de embarcações arribadas e o facto dos tripulantes exaustos ali não encontrarem água, alimentos, apetrechos, apoio, informações nem pessoas para os ajudarem.
E acrescentou nesse texto: "Ordeno que sejam construídas duas capelas. Uma em louvor de Nossa Senhora da Graça (na Ponta de Sagres - esta já se encontrava mais adiantada, inclusivamente com o processo em Roma desde 1459, data do pedido do Infante ao Papa Pio II). A outra em louvor de Santa Catarina, na Ponta de Belixe, onde também se dirigem muitas naus, galiões, e outras embarcações para se protegerem do mau tempo. Após a sua construção, o cemitério acolherá os tripulantes mortos a bordo dos navios. A Vila do Infante será construída sob a autoridade e protecção do Rei Afonso V, meu Senhor e sobrinho, a favor de quem rezo e peço a protecção Divina".
BARLAVENTO É LUGAR HISTÓRICO
Entre 1443 e 1447, o Infante passou a maior parte do seu tempo no Algarve. Primeiro em Lagos, enquanto Sagres e Vila do Bispo não ofereceram alojamentos capazes. O que só viria a acontecer em 1467, com a casa em Vila do Bispo.
O facto das frotas, que mandou nas primeiras expedições, terem partido de Lagos, deve-se à reconhecida falta de um aglomerado, conforme apontado no texto da criação da Vila do Infante. Mas Sagres era local estratégico para estudos e observações da navegação, das condições dos ventos, correntes e astros. O que não resolvia a falta de condições de apoio às frotas e tripulantes. De facto, até 1460 não havia condições nem população em Sagres para apoiar, abastecer ou receber os tripulantes dos navios da Coroa.
Durante o tempo que, no Algarve, o Infante comandou a epopeia das descobertas, ficaram registadas as seguintes chegadas e povoamentos: ilha do Porto Santo em 1419 e Madeira em 1420, por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira; Açores (grupo oriental) em 1427 por Diogo de Silves; Cabo Bojador em 1434 por Gil Eanes; Pedra da Galé na Foz do Rio do Ouro em 1436 por Afonso Baldaia; Cabo Branco em 1441 por Antão Gonçalves; Baixios do Arguim em 1443 por Nuno Tristão; Arquipélago de Cabo Verde em 1444 por Dinis Dias e em 1455/56 por Luís de Cadamosto; e Serra Leoa em 1460 por Pedro de Sintra (no ano da sua morte).
FRACASSO NA TOMADA DE TÂNGER
nO currículo de D. Henrique consta, porém, o fracasso da expedição para a conquista de Tânger, em 1437. Nesta iniciativa ajudou seu irmão D. Fernando, o Infante Santo e Mestre da Ordem de Avis (morto em Fez em 1438). Após a derrota, a retirada do cerco da praça marroquina pelos fidalgos e soldados lusos foi negociada por D. Henrique com os vencedores árabes. A condição imposta foi a devolução por Portugal da praça de Ceuta, ficando o Infante D. Fernando em Marrocos como refém. D. Henrique regressou a Portugal com as tropas, e o Rei D. Duarte (irmão de ambos) convoca as Cortes para Torres Novas para avaliação do pacto. A nobreza recusou a devolução de Ceuta, deixando D. Fernando morrer no cativeiro, vítima de maus tratos e sob mancha na honra de outro Infante de Portugal, por ter faltado à palavra dada. Nem o facto de se tratar de dois irmãos do Rei de Portugal, demoveu a fidalguia portuguesa ciosa dos louros da conquista de Ceuta.
Este lamentável episódio histórico também impõe um interregno na esforçada campanha das descobertas do Infante D. Henrique, praticamente entre 1434 e 1441. Mas em 1439 ascende à Coroa D. Afonso V, seu sobrinho e a aventura da expansão marítima continua.
O Infante D. Henrique nasceu a 4 de Março de 1394 no Porto e morreu a 13 de Novembro de 1460 em Vila do Bispo - na casa que ali mandou construir, possivelmente pela conveniente localização entre Sagres e Lagos.
SENHOR E MURALHAS DE SAGRES
Meio ano depois, a 2 de Julho de 1461, D. Afonso V concede isenção de metade do imposto real aos habitantes da Vila do Infante. Mas a 26 de Dezembro do mesmo ano decide conceder 28 galinhas a Rui de Sousa, Senhor da Vila de Sagres ... com a obrigação de serem pagaa pelos habitantes. É a primeira vez que uma ordem real muda o nome de Vila do Infante para Vila de Sagres, o qual ainda perdura 536 anos depois.
Em 1461, D. Afonso V também nomeara Rui de Sousa como Senhor de Sagres, ao qual em 1475 concede o monopólio da pesca no Cabo de S. Vicente. Esta nomeação real comprova que 15 anos depois dos votos expressos pelo Infante D. Henrique, a população de Sagres dedicava-se (1475) à pesca e à cerâmica, tendo o Senhor de Sagres como patrão de ambas as artes. Além disso a tradicional agricultura de subsistência constituia a garantia alimentar a par do pescado.
Na vertente do património monumental e militar, há a assinalar que a muralha mais antiga de Sagres - a cerca henriquina - foi reforçada com um segundo baluarte na época de D. Sebastião (1554-1579) - possivelmente com desígnios semelhantes de defesa da costa, mas então reduzidos à campanha de conquistas ainda mal resolvidas em Marrocos e que acabará por ser fatal para D. Sebastião, na batalha de 4 de Agosto de 1579 em Alcácer Quibir.
Na Fortaleza de Sagres seguiu-se a construção da torre filipina, sobre a antiga barbacã (entre 1580 e 1640). Foi D. Afonso VI (o Vitorioso - 1643-1683), filho de D. Luísa de Gusmão, que concebeu um novo traçado das muralhas, o qual, porém, nunca foi concluído. Entre 1755 e 1786 (o terramoto de Lisboa também produziu graves danos no Algarve), a Fortaleza foi praticamente abandonada e ficou em ruínas.
Só em 1793 (D. João VI) foi concluída uma nova fortificação que, mais ou menos, subsiste na Ponta de Sagres. Data desta época, igualmente, a recuperação dos fortes da Baleeira (hoje em ruínas), da Carrapateira e da Arrifana (no concelho de Aljezur), do Belixe, e de S. Vicente - antigo mosteiro que alberga o Farol de S. Vicente, desde a época de D. Maria II - 1819-1853 - segundo se lê na pedra à entrada deste monumento: "Este farol foi mandado construir por ordem da Rainha A Snra. D. Maria II, sendo Director dos Faróis do Reino, o Brigadeiro General A. C. C. P. Furtado, em Outubro de 1846".
Aliás esta política de defesa da costa, como já referido, enquadra-se na orientação da dinastia filipina (1580-1640), visando impedir a invasão por parte da grande armada inglesa, com cujo reino a Espanha estava em guerra e que para fazer frente aos ingleses, D. Filipe II de Castela e I de Portugal, construiu e armou, em 1588 a chamada Armada Invencível, sob o comando do duque de Medina (reza a história que pouco conhecedor da estratégia da guerra naval da época. Os navios sairam de Lisboa, prometendo derrotar a frota de Elizabeth I, mas no Mar da Mancha foi destroçada não pelo inimigo mas pelo temporal. Uma página negra para a História de Espanha. Mesmo assim, Portugal permaneceu sob domínio hispânico até 1640.
Entretanto, Sagres fora atacada em Maio de 1587 por Francis Drake, cuja frota com 800 homens destruiu as antigas muralhas fortificadas de S. Vicente, Sagres e Baleeira. Drake desembarcou na praia do Martinhal, de onde tomou a Fortaleza, defendida por uma guarnição de apenas 110 homens. Os ingleses deixaram-nos partir por serem portugueses. Nos dias seguintes renderam-se as guarnições de S. Vicente e Belixe. Entretanto, Drake, baseado na enseada do Martinhal, levou a cabo assaltos a 50 navios mercantes e 60 pesqueiros, sem infligir mal à população de Sagres. Partiu depois para tentar fazer o mesmo em Lisboa, mas aí não teve a mesma facilidade ... nem do mar nem das guarnições dos fortes que defendem o Tejo.
PIONEIROS LUSOS DA GLOBALIZAÇÃO
George Modelski, professor da Universidade de Washington State - o reconhecido pai dos ciclos geopolíticos - e Tessaleno Devezas, professor brasileiro da Universidade da Beira Interior, é o autor da tese sobre "a importância dos Descobrimentos nos ciclos da globalização", intitulada "The Portuguese as System Builders in the Evolution of the World System". Esta tese, apresentada na Áustria em 2006, aponta o Infante D. Henrique como o grande e verdadeiro pioneiro da primeira vaga do estudo científico aplicado à geoestratégia global.
O que contraria a tese chinesa de que foram os mongóis nos séculos X a XV, com as expedições marítimas realizadas no Índico e alargadas ao Atlântico, sob o comando do almirante Zheng He (na dinastia Ming entre 1405 e 1435), a par dos mercadores marítimos das Repúblicas de Génova e Veneza (nos séculos XIII e XIV), como os responsáveis pela primeira vaga global.
Há uma terceira tese de que foram Cristoforo Colombo - (calculem) com as suas viagens às Caraíbas em 1492 e 1503 - e Fernando Magalhães - (depois de naturalizado espanhol adoptou o nome de Fernan Magallen) com a sua inacabada viagem (nas Filipinas) de circum-navegação em 1519-1521 - quem, de facto deu azo à primeira vaga da globalização mercantil, científica e tecnológica!
Mas Alex MacGillivray, no seu livro Breve História da Globalização (lançado nos anos 60), considera o projecto da Escola de Sagres como o "equivalente ao Cabo Canaveral da Nasa". E classifica o Infante D. Henrique como o responsável pelo primeiro empreendimento de gestão do conhecimento com projecção global.
E, por fim, o investigador austríaco Johannes Casti afirma que os navegadores portugueses conseguiram implantar uma mudança de valores e mentalidades - um novo look - que conduziu nos cinco séculos seguintes à globalização como fenómeno social.
ESQUECIMENTO HISTÓRICO
E o que há em Sagres para testemunhar estes feitos dos portugueses de Quinhentos?
Além das muralhas e da Torre-Cisterna - que um ministro da Cultura menor e um arquitecto vanguardista do século XX decidiram mandar pintar as vetustas muralhas (ou caiar - o que significa que, durante a maior parte do tempo em que são visitadas por três milhões de turistas por ano, apreseentam um aspecto deplorável por falta de tinta ou cal!), mais a igreja de Nossa Senhora da Graça, construir dois blocos modernos (tipo bairro económico) e ajardinar a Rosa dos Ventos descoberta em 1921. Para se entrar neste santuário da História de Portugal paga-se três euros por cabeça, o que tem reduzido (e desiludido) o número de visitantes nacionais e estrangeiros. Uma parte do território de Portugal (cerca de 50 hectares) ficou reservada para quem quiser (ou puder) pagar, sem que os responsáveis do Ministério da Cultura e do IPPAR dêem o braço a torcer do erro cometido e da banalização do Promontório Sacro. Já houve, em tempos um projecto do antigo secretário de Estado Licínio Cunha, para se proceder a um acordo de geminação entre Sagres e Cape Canaveral, para ali se construir uma mostra permanente das epopeias dos Descobrimentos portugueses no século XV e da 1ª viagem interplanetária à Lua em 1978. Como todas as boas ideias e projectos ficou na gaveta do esquecimento. Há dinheiro para tudo menos para ajudar o Portugal moderno a afirmar-se à escala global. Quem não aparece e não se faz ouvir, esquece e é desvalorizado! Neste caso, trata-se da História e da Cultura Universais, além do Turismo nacional!
Nota-se em Sagres, talvez uma semana por ano - no feriado municipal de 15 de Agosto, em louvor de Nossa Senhora da Graça - a presença da réplica de uma caravela henriquina - a caravela Boa Esperança, pertença da Região de Turismo do Algarve e acostada normalmente na Marina de Lagos, apesar de estar matriculada no porto de Sagres.´
É francamente pouco! Mas reflecte o pouco valor que os portugueses no século XXI dão à sua história, à sua cultura e à sua imagem!
CONTINUA
ORIGINALLY POSTED BY HUMBERTO ON MON. 15 JAN. 2007 AT 20h15 (8.15 pm LOCAL TIME) AND REVIEWED AND ADDES ON WED. 07 FEB. 2007 AT 8:15 pm local time)

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