À pesca de contradições
Mais uma crise. Mais polémicas. Mais um programa Prós e Contras na RTP1. Resultado: tudo na mesma. Inércia misturada com algumas contradições.
Temos um Estado ultra-desconfiado das potencialidades da sociedade civil. Um povo que prima pelo diz-se diz-se e que vê no governo a salvação para todos os seus males (por via de subsídios, isenções, excepções e similares), sejam empresários, trabalhadores ou desempregados. E uma imprensa à altura desta realidade. Ora a reboque do governo, ora a acompanhar as ridículas reivindicações empresariais ou sindicais. E falta-nos uma comunicação social mais pedagógica.
A agonia das pescas europeias é um facto. Mas esta crise também pode ser o começo de uma mudança que se impõe.
CONTROLAR O CUSTOS DE PRODUÇÃO
Vejamos a situação actual. Os pescadores são os únicos produtores activos a não controlar os custos de produção nem os preços de venda aos grossistas. Compram as embarcações, motores e aparelhos lançados no mercado, sempre com as melhores intenções mas nem sempre com resultados compensadores. O que era aconselhável e válido há seis meses, agora já não presta e para acompanharem a produtividade europeia são forçados a fazer novos investimentos, por falta de organizações profissionalizadas e emanadas das 20 associações de pescadores. Tudo porque a maioria deles (pescadores) não souberam aproveitar 34 anos de democracia para evoluírem no estudo da gestão dos seus próprios negócios. Para eles frequentar uma escola durante o defeso, por exemplo, é um sinal de fraqueza. É evidente: há excepções louváveis. Mas poucas.
Vão diariamente ao mar sem saber o que vão colher, ao contrário dos agricultores que acompanham o estado das sementeiras e pomares ao longo de cada época. Sabem como atacar as maleitas provenientes da geada, chuva, granizo e da seca, assim como de pragas e outros contratempos do campo.
ESTADO DESCONFIADO
Os pescadores não têm contratos de exclusividade para fornecer os seus clientes directos. Entregam, sem fixarem o preço mínimo para venda, o peixe na lota e pagam diariamente à cabeça as taxas impostas pelo Estado e pelo monopólio da respectiva comercialização. Diz o ministro da Agricultura e Pescas que não compete ao Estado vender peixe. E tem razão, mas os pescadores (desunidos em 20 associações) também não querem correr o risco da falência técnica em que se encontra a empresa monopolista desta actividade, presente nos principais portos pesqueiros.
Dai o Estado desconfiar dos pescadores e exigir-lhes dia-a-dia o pagamento das taxas e dos serviços prestados pela empresa pública montada para lhes prestar os referidos serviços obrigatórios de comercialização, da primeira venda.
ENTREGAM O DESTINO AOS INTERMEDIÁRIOS
Os compradores de peixe são registados pelo fisco e são eles que fazem o preço para os retalhistas e canal Horeca (hotelaria, restauração e catering) Também há as grandes superfícies a comprar à parte (através de contratos especiais) cerca de 60% do pescado (fresco, importado de Espanha, ou proveniente da aquacultura, mais o transformado por pequenas empresas especializadas) ao preço que mais lhes convêm ... não pelo preço justo de cada dia.
Mas depois são os consumidores, seja nos mercados municipais, peixarias, grandes superfícies ou restaurantes, que vão pagar o peixe até 17 vezes mais caro do que foi vendido na lota. A composição final dos custos até ao preço de venda final é opaca.
Suspeita-se que os lucros sejam exagerados em relação à soma dos custos de transporte interno, armazenagem, congelação, distribuição e promoção. Praticamente apenas as grandes superfícies é que fazem promoção do peixe. Seja pescado pela frota nacional, seja por estrangeiros ou de aquacultura.
É isto que está errado. O peixe tem um valor, cuja média não sobe há mais de uma década na lota. Só tem subido exponencialmente no retalho, prejudicando pescadores e consumidores, enquanto engorda os intermediários (negociantes de pescado e fornecedores de cantinas, restaurantes e hoteís).
SOLUÇÃO ACESSÍVELUma solução (temporária até as associações de pescadores tomarem conta das lotas, sujeitas a um regulador idóneo nomeado pela Assembleia da República) para este problema de distorção do preço justo de cada captura diária, passa pela definição do valor diário do peixe de cada espécie, capturado por cada embarcação. O mestre (ou o armador) antes da chegada à lota deve calcular os custos fixos (gasóleo, amortização da embarcação, redes e equipamentos, seguros, taxas e impostos devidos ao porto, serviços veterinários, etc, salários e descontos para a Segurança Social e fisco) e custos variáveis (lucros do armador, partes da companha, avarias, isco, gelo, etc.). O somatório de ambas as parcelas seria ponderado com o preço médio da venda em lota no mês (ou semana) homóloga do ano anterior, para se encontrar assim o preço mínimo de venda (a propor para último lance na lota, pelo sistema actual de leilão de cima para baixo).
Quem não admitir já esta contradição nem emendar este erro arcaico da comercialização do pescado nas lotas (corrente na União Europeia e em Portugal), vai ser responsabilizado pela "morte" das pescas, pela extinção da classe piscatória, e pela carestia incomportável do peixe - no terceiro maior consumidor mundial da dieta do mar, mas apenas para continuar a engordar os negociantes de pescado por grosso. De qualquer modo, a procura irá baixar bastante, pois só os muito ricos poderão continuar a comer peixe e marisco frescos. E os ambientalistas marinhos vão finalmente ficar contentes.
Os pescadores têm que se unir. Têm que juntar esforços e pescar em embarcações e artes adequadas, que compensem os esforços da sua faina e os perigos da sua profissão. Nem todos podem ser mestres nem patrões. Há artes e espécies que dão muito trabalho e pouco lucro. O País não pode brincar às pescas e não pode apoiar iniciativas obsoletas. Compete ao governo reorganizar o sector de alto a baixo. Pedagogicamente. Com transparência. Com tolerância. E cativando mais jovens, sob pena de se ter de aceitar mais imigrantes para pescar, segundo novos métodos mais compensadores. Com apoios da União Europeia.
Cuidado que os custos de produção vão continuar a subir e o governo não mostra interesse nem capacidade em regulamentar a composição do preço do peixe na lota, tal como faz em relação aos combustíveis - constituindo este o factor estratégico causador das actuais crises energética, alimentar e económica.
Gosto mais de peixe do que de carne, mas não estou disposto a pagar mais impostos (IRS ou outro extraordinário) para o Governo subsidiar artificialmente o preço do peixe nos mercados e supermercados. Deus me livre.
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